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Por Carlos Eduardo Mansur

Jornalista. No futebol, beleza é fundamental


Além da justa vitória do Corinthians e da pálida apresentação do Flamengo, há um debate que não pode ser perdido após o clássico do último domingo. Normalizar algumas cenas que marcaram um encontro tão nobre do futebol brasileiro é ignorar o compromisso com a construção de um ambiente melhor em torno do jogo.

Um Corinthians x Flamengo, de acordo com números de uma pesquisa de torcida publicada aqui no GE há pouco mais de 10 dias, é um jogo que interessa a 35% dos brasileiros. Ainda que se admita que nem todo este contingente siga todas as partidas dos dois clubes ou tenha tamanho interesse por futebol, é possível ter uma dimensão do alcance de um jogo assim. O clássico deveria ser tratado como uma ocasião especial, uma espécie de propaganda institucional do futebol brasileiro.

Após expulsão de Yuri Alberto, jogadores de Flamengo e Corinthians brigam em campo

Após expulsão de Yuri Alberto, jogadores de Flamengo e Corinthians brigam em campo

Mas após um jogo que durou 115 minutos e 10 segundos, qualquer pessoa com interesse mediano pelo tema, mas que tenha decidido acompanhar o clássico mais popular do país, provavelmente desligou a televisão com a sensação de que viu mais demonstrações de brutalidade, hostilidade, falsa macheza, tentativas de burlar as regras do jogo ou tirar vantagem a qualquer custo. Em resumo, muito pouco de futebol se extrai daquelas quase duas horas de partida. De acordo com um levantamento feito pelo Seleção Sportv, após o Corinthians fazer 2 a 1, aos 14 minutos do segundo tempo, houve mais de 20 minutos de bola parada no jogo. Ou seja, dos 31 minutos restantes de tempo regulamentar, mais os 15 de acréscimos, a bola não rolou por quase metade deste tempo.

Aqui é preciso fazer uma ponderação. Há uma gravidade maior quando cenas como as de Itaquera acontecem num jogo deste tamanho. Justamente pelo alcance das camisas em questão. Mas, a rigor, o clássico é um retrato de tudo o que normalizamos no país. E o Corinthians, que praticou boas doses de antijogo para não fazer a bola rolar naquele período em que tinha a vantagem, certamente já foi vítima do mesmo expediente em partidas nas quais estava perdendo. A questão é que todos, inclusive jornalistas, precisamos assumir um compromisso com a defesa do jogo. Tratar como estratégia episódios assim é renunciar a este papel.

O fundamental é assumirmos que o futebol brasileiro não pode se contentar com quase metade do tempo de um jogo ser gasto com cera, quedas desproporcionais, demora para reposição de bola. Muito menos com o sumiço de gandulas ou com a súbita proliferação de bolas murchas ao redor do campo. Tampouco com bancos de reservas histéricos e com um auxiliar técnico flagrado, repentinamente, peitando um assistente de arbitragem na linha lateral. Aliás, quanto às comissões técnicas, é brutal como um indesejável número de treinadores, auxiliares e preparadores abandonaram qualquer senso de responsabilidade na tarefa de dar exemplo aos grupos de jovens que comandam. O ganhar a qualquer custo está enraizado na conduta de gente demais no futebol brasileiro.

Yuri Alberto é expulso m Corinthians x Flamengo — Foto: Marcos Ribolli

Outra vez, o clássico em especial, e o Corinthians em particular, são apenas os exemplos da rodada. Porque a questão é cultural, é de falta de compromisso com a esportividade. Está tão enraizada que jogadores do Flamengo, em tese o time que seria prejudicado com longas paralisações, também protagonizaram cenas feias nos acréscimos. Após uma entrada dura de Yuri Alberto em Wesley, já punida pela arbitragem com expulsão, formou-se a tradicional aglomeração de valentões dispostos a trocar sopapos, empurrões e ofensas. Eram jogadores dos dois times, mas o curioso é notar como os jogadores estão condicionados ao enfrentamento, à lógica da imposição pela intimidação, ou até às demonstrações artificiais de pertencimento que entendem estar sinalizando à arquibancada quando partem para a troca de agressões e peitadas. Infantilmente, os rubro-negros contribuíram para que o jogo ficasse parado por mais tempo. Aquele minutos, que resultaram em mais duas expulsões, foram das mais deploráveis passagens da rodada.

Há um dano que vai além do tempo de futebol não jogado, do prejuízo ao público. O que termina por se apresentar é um ambiente cercado de uma tensão que não é ditada pelos acontecimentos esportivos, pela possibilidade de um gol, de uma jogada decisiva. Mas sim pelos ânimos exaltados, pela agressividade, pelas reações desequilibradas a qualquer decisão banal da arbitragem. Não se espera um futebol imune às paixões, às emoções. O problema é que extrapolamos, por muito, os limites aceitáveis.

E uma vez mais, para que não pareça algo direcionado a dois times, vale lembrar que o Brasil já encontrou uma forma peculiar de lidar com a nova regra, testada com êxito na Eurocopa, que limita as rodas de jogadores em torno do árbitro: no jogo contra o Cruzeiro, o Internacional apresentou ao mundo o revezamento de capitães. Como cabe a eles a tarefa de representar o time junto à arbitragem, embora não estejam isentos de cartão amarelo quando extrapolam limites ou não contêm companheiros que partem para uma reclamação, a solução encontrada foi trocar duas vezes a braçadeira de dono. A cada vez, que o capitão da vez recebia cartão, um substituto era nomeado.

A arbitragem brasileira tem mil problemas, todos eles abordados com frequência. Mas há momentos em que os profissionais do jogo fazem de uma partida de futebol no Brasil um ambiente indomável.

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